O Diálogo usa uma abordagem coletiva para considerar as evidências científicas como um terreno comum, onde diferentes pontos de vista, vivências, opiniões e interesses poderão se articular de forma colaborativa, sem necessariamente entrarem em rota de colisão e produzir conflito. Isso porque espera-se que o diálogo tenha sido facilitado guardando as características de um diálogo (por exemplo: expansão respeitosa e democrática de perspectivas e de trabalho em grupo) e não com as de um debate (por exemplo: discussão voltada para combater perspectivas diferentes). Assim, a análise e interpretação dos ‘dados’ criados no diálogo pode ser considerado um processo de co-criação que envolve a captação e interpretação das diferentes perspectivas sobre a evidência, considerando também o conhecimento tácito dos participantes, para ‘enriquecer’ os elementos apresentados na síntese de evidências e, assim, ampliar a compreensão sobre a aplicabilidade das opções no território real onde o problema existe (BOYKO et al., 2012, 2014; MOAT et al., 2014).
A análise de dados do diálogo é um processo cíclico de produção e síntese, com mais dados sendo gerados pelas manifestações realizadas no diálogo, por exemplo, seguindo-se de nova síntese para incluir esses elementos identificados. Assim, é muito importante que a leitura dos dados produzidos no diálogo respeite a necessidade de aprofundar, em etapas, este conteúdo eminentemente qualitativo. Diferentes estratégias analíticas podem ser usadas para categorizar, codificar e conectar os dados de um diálogo, mas o processo de síntese deve buscar uma abordagem interpretativa, sempre que possível, evitando a mera descrição das manifestações dos participantes (CAREGNATO; MUTTI, 2006).
Acredita-se que não exista uma análise melhor ou pior, o importante é que o pesquisador conheça as várias formas de análise existentes na abordagem qualitativa. O conhecimento sobre suas diferenças permitirá uma escolha consciente do tipo de análise que irá empregar nos dados coletados do diálogo (CAREGNATO; MUTTI, 2006).
Por isso sugerimos contar com alguém com a expertise em métodos qualitativos, para que a síntese do diálogo não seja exclusivamente descritiva, mas desejavelmente espera-se a inclusão de uma abordagem interpretativa, para alcançar maior profundidade de análise dos aportes e das deliberações tomadas, seus significados e motivações.
4.1 Métodos de análise e relato do diálogo
Após a realização do diálogo, onde todas as participações dos atores sociais foram documentadas, seja por gravação, por escrita ou outro método, é preciso analisar estas informações. As análises não podem durar meses ou anos, como pode acontecer em análises qualitativas de pesquisas científicas. Recomenda-se que a análise seja realizada em um período de até 15 dias.
E por que é importante analisar os dados do diálogo? Como fazer essas análises em um curto espaço de tempo? Assista a entrevista a seguir para entender um pouco mais do assunto.
Agora vamos apresentar brevemente algumas formas de como analisar os dados dos diálogos deliberativos.
Análise de conteúdo
É um conjunto de técnicas de análise de comunicação que visa obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens. É a mais usual abordagem analítica de dados em investigação com métodos qualitativos. Ela é baseada na contagem da frequência da aparição de características nos conteúdos das mensagens (BARDIN, 1977).
É uma técnica que busca a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação. Ela está para a pesquisa qualitativa, assim como a estatística está para a pesquisa quantitativa. As categorias construídas pela análise de conteúdo são achados, cabendo ao pesquisador fazer a discussão/interpretação dos resultados. A escolha deste método de análise pode ser explicada pela necessidade de ultrapassar as incertezas consequentes das hipóteses e pressupostos, pela necessidade de enriquecimento da leitura por meio da compreensão das significações e pela necessidade de desvelar as relações que se estabelecem além das falas propriamente ditas (GIVEN, 2008).
Análise do discurso
A análise do discurso tem como objetivo básico realizar uma reflexão geral sobre os significados dos dados produzidos nos mais diferentes cenários, de modo a compreender seu funcionamento, os princípios de organização e as formas de produção de seus sentidos. Diferentemente da análise de conteúdo, a análise de discurso procura entender o sentido dado pelo sujeito às palavras e não a seu conteúdo transparente e simples. Ela parte do pressuposto que a linguagem está condicionada pelas estruturas macrossociais e, ao mesmo tempo, esta condiciona estas estruturas, ou seja, o discurso (CAREGNATO; MUTTI, 2006).
Na análise de discurso visa-se conhecer as construções ideológicas do texto, ou seja, quais ideologias estão por trás das falas dos interlocutores (CAREGNATO; MUTTI, 2006).
Análise temática
A análise temática é um método de análise qualitativa de dados para identificar, analisar, interpretar e relatar padrões (temas), colaborando para a interpretação dos dados (SOUSA, 2019). Duas abordagens podem ser utilizadas:
- Abordagem dedutiva ou teórica: parte de um conjunto pré-estabelecido de categorias bem definidas. Nesta abordagem, você precisa já ter claro os temas de análise que serão a base de análise. Ao ler os dados do diálogo, estes serão analisados a partir dos temas estabelecidos.
- Abordagem indutiva e baseada nos dados: parte de poucas categorias ou temas pré-estabelecidos. Nesta abordagem, você pode ler e analisar o material já tendo previamente as categorias ou temas, considerando que podem ser incluídas outras categorias, a partir dos dados em análise.
Lembre-se que o registro de ideias, rascunhos, notas e esquemas são valorizados para procurar, nos dados, por padrões de significados e questões de possível interesse à pesquisa. (SOUSA, 2019).
Veja a seguir, três formas de análises qualitativas de diálogos deliberativos de experiências dos autores referenciados no quadro abaixo. Observe que não há padrão único de análise e que cada experiência está de acordo com a disponibilidade de recursos locais.
Quadro 3 – Exemplos de análises qualitativas de diálogos deliberativos
Referências | Descrição das etapas |
Acosta, Oelke, Lima, 2017 | 1. Transcrição de todos os materiais obtidos no diálogo (notas tomadas pelos observadores, registros de álbuns seriados, áudios, etc.); 3. Notas interpretativas podem ser produzidas. |
Mulvale, McRae, Milicic, 2017 | 1. Leitura para entendimento geral do material; |
Evans-Agnew et al, 2016 | 1. Identificação de discursos dentro dos dados; |
Fonte: Autoria própria
Assim, vamos reforçar alguns pontos:
- Veja a disponibilidade de programas gratuitos de transcrição das falas dos participantes para te ajudar na análise. Lembre-se de respeitar a confidencialidade dos dados e da identificação dos participantes, de acordo com o estabelecido nas regras do diálogo;
- Verifique parcerias que possam auxiliar o processo de análise dos dados em tempo oportuno de até 15 dias para a finalização desta etapa, em conjunto com a síntese do diálogo. Utilize os recursos disponíveis, para ao mesmo tempo analisar os dados e não paralisar o processo;
- Na análise qualitativa, busque os sentidos e significados das falas dos participantes. Não é necessário ou obrigatório quantificar os achados, por exemplo, quantas vezes uma categoria ou tema foi citado no diálogo deliberativo.